segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Luxor ou a Aventura - Parte IV

Parte I
Parte II
Parte III


O vôo do Cairo a Luxor foi excelente, apesar do avião lotado. Meu lugar era na janela, mas preferi o corredor, opção com a qual o casal que já estava lá sentado concordou na hora.

Antes de entrar nos próximos detalhes penso que se faça aqui necessário prestar alguns esclarecimentos sobre essa minha viagem. De fato a viagem propriamente dita é um cruzeiro sobre o rio Nilo de Luxor até Assuan. Vi uma oferta imperdível dessa viagem lá no longínquo fevereiro e resolvi comprá-la: uma semana num navio sobre o rio Nilo com refeições e passeios. Paguei a entrada e marquei as férias para essa primeira semana de outubro, coisa bastante prática, já que na Alemanha 3 de outubro é o feriado da reunificação alemã e feriados e finais-de-semana não contam como dias de férias. Dessa forma de segunda a segunda eu só precisei de cinco dias de férias, o que também acabou sendo um excelente negócio.

Não é meu costume marcar uma viagem com tanta antecedência, mesmo porque nunca se sabe o que tudo ainda vai acontecer e de fevereiro a outubro muita água ainda tem de passar por debaixo de muitas pontes até um dia desembocar no rio Nilo.

Marcada estava a viagem, a entrada já paga, mas como chegar de Frankfurt a Luxor ida e volta? Esse pedaço não estava incluso no pacote. Vôo direto não encontrei, com o que restava o vôo via Cairo e aí pensei que seria um desperdício sem fim conhecer de Cairo apenas o aeroporto. Foi assim que acabei chegando em Cairo já na sexta para então na segunda, que é hoje, vir para o cruzeiro sobre o Nilo, que é o verdadeiro objetivo dessa viagem.

Já no avião eu fiquei maquinando com meus botões como eu iria fazer para chegar até o navio, mas pensei que na pior das hipóteses eu acabaria pegando um taxi. Ao desembarcar no aeroporto internacional de Luxor, que vem a ser um nada de aeroporto de tão pequeno, havia uma porção de agentes com placas com nomes de pessoas. Fiquei de olho e em uma delas vi o nome da agência que haviam me dito ser a responsável pela realização da viagem. Fui lá conversar com o homem, perguntando-lhe se também havia lugar para mim no transporte e qual não é minha surpresa ao ver que meu nome estava em sua lista e ele já tinha até o número da minha cabine!

“Mais sorte do que juízo” diz o dito alemão. O camarada passou a mão na minha mala e me levou até uma perua e lá me fui com um motorista rumo ao navio. Os passageiros cujos nomes estavam escritos na placa do cidadão ainda não haviam chegado com o que estavam somente eu e o motorista naquela viatura andando por umas quebradas ao longo de um canal – ou até um rio, sei lá – tão sujo que a água parecia parada. Os reflexos daquelas construções na laje ao lado de palmeiras de damascos dariam fantásticas fotos. Novamente uma paisagem mais do que irreal e tive de me lembrar da brasileira ontem na Citadela, quando disse que o problema dos egípcios não era de pobreza e sim de sujeira. Eu não sei o que dizer a respeito. É um mundo por demais de diferene e distante do meu que não arrisco um palpite, já começando pelo fato de eu não entender sequer a respiração, que diria alguma frase dessa língua.

Quem sabe um dia eu volto para fazer uma caminhada ao longo de um canal desses só para poder tirar as fotos que estão esperando para serem tiradas. É tudo tão diferente de qualquer coisa que eu conheço com uns contrastes como por exemplo no prédio na laje o andar do meio ter um acabamento perfeito ou a outra casa com uma baita de uma pintura de uma cena ribeirinha na fachada.

Construção na laje na beira do rio Nilo em Luxor 
De repente o motorista sai da pista, pista essa, diga-se de passagem, totalmente vazia e sem trânsito. Acho que todos os carros egípcios foram parar no trânsito de Cairo. Emboca em uma rua de terra – areia seria o nome mais adequado – e vai serpenteando como uma cobra cascavel entre o nada e o coisa alguma. Lembrei-me do mocinho que foi me buscar no hotel hoje cedo pontualmente às cinco da madrugada, andando naquelas avenidas de Cairo, totalmente vazias e escuras e achei que se naquela ocasião eu não havia sido raptada, não seria agora que isso iria acontecer, mas não ousei perguntar ao motorista onde iríamos parar.

De repente ele pára defronte a uma cancela e vem um outro Zé (Yussef, penso eu, seria o correto) abrir e lá entramos numa floresta de palmeiras. Depois de uns solavancos em uma clareira há uma porção de carros e ônibus parados. O motorista pára e sai, coisa que eu também faço. Esse motorista era de poucas palavras, ou talvez pouco inglês, mas tinha um celular no qual falou algumas vezes em árabe. Quando me encontrar com o Pedro vou trocar umas idéias com ele: parece que as parabólicas deram lugar aos celulares. Eu acho que isso aqui já é quase que doença, apesar de achar que essa doença é meio universal. Será que por aqui não é proibido falar ao celular quando se está dirigindo?

De repente de trás dos ônibus sai um outro sujeito que pega minha mala e eu tenho de segui-lo. O motorista sumiu. Deve ter voltado para o aeroporto. Atravessamos uma ponte meio cambaleante e chegamos em um navio do qual passamos para um outro navio, do qual passamos para um outro navio, até chegarmos a uma recepção, onde o cidadão já me enfiou uma ficha para preencher e pediu meu passaporte. Mandou-me então ao recinto ao lado, que vinha a ser o bar, para que eu recebesse o meu drink de boas-vindas. Esse drink fazia parte do pacote: um minúsculo copo de um suco ruim que parecia de maracujá ou multivitamina. Não gosto nem de um e nem de outro.

Mas, como não havia tomado café-da-manhã, a breakfast bag que o sujeito do hotel na noite anterior havia solenemente me prometido para as cinco da manhã não foi entregue, e no avião, além de um copo de suco que se dizia de laranja mas tinha gosto de qualquer outra coisa, nada mais havia, eu estava de fato com fome e queria um café com um pãozinho. Eu fiquei com muita raiva no avião quando vi alguns passageiros com o pacote de café-da-manhã do Four Seasons. Apesar que tenho de dizer que até agora foi a primeira vez que vi impontualidade aqui no Egito.

Perguntei ao recepcionista se não havia assim um café com pãozinho em algum lugar da cozinha e como num passe de mágica me aparece um sujeito com uma bandeja com dois pãezinhos e uma xícara de café-com-leite. Tá certo que faltou a manteiga, mas a cavalo dado sabidamente não se olham os dentes, e no final matou minha fome e foi de graça já que nada quiseram cobrar.

Nisso o recepcionista me entrega um cartão com o número do quarto, me dizendo que minha mala já estava defronte a porta esperando e que o passaporte ele iria entregar só no dia seguinte pois tinha de resolver as formalidades com todos passaportes ao mesmo tempo e ainda havia muita gente para chegar.

Aliás que eu tenho de dizer que depois da sexta-feira no aeroporto, onde recebi o visto, foi a primeira vez que tive de apresentar o passaporte. Misteriosamente no check-in do aeroporto ninguém quis vê-lo e assim ele ficou durante toda a viagem bem onde ele estava o tempo inteiro: dentro da bolsa.

A cabine do navio é muito boa, no último andar, com um pequeno balcão que vai permitir que se veja bem o rio quando estivermos navegando. Apesar que o deck superior também é bastante interessante,com direito a piscina e bastante sol. Aliás que o calor é de matar, mas isso eu já falei de monte. O ruim da cabine é que não consigo desligar o ar condicionado. Mas penso que seja melhor com ar-condicionado e cobertor do que não conseguir dormir por causa do calor.
A cabine do navio com o pequeno balcão
Depois de me instalar e trocar de roupa resolvi ir andar lá fora e vi a imensidão de navios atracados sempre um ao lado do outro. Uma paisagem interessante, e uma gente que parecia saída de algum filme de mil-e-uma-noites: homens de vestidos compridos de todas as cores, carregando pacotes para os navios.

Infelizmente durante o passeio apareceram alguns do “Where do you come from?” e eu tive de mudar meus planos e rumo, mesmo porque já não estava agüentando o sol inclemente. As recomendações de Joe e Ahmed ainda estava presentes em meus ouvidos “Não converse com ninguém e não aceite ajuda de ninguém pois eles vão querer dinheiro de você.”
Plantação de papiro no atracadouro dos navios 
Aliás que essa parte do dinheiro é o pedaço mais doloroso dessa viagem: eu realmente não sei mais o que é certo, o que é errado, qual o valor ou desvalor desse dinheiro aqui. O cidadão do aeroporto veio me dizendo que o transporte custava 15 € e que por volta das 11 horas ele apareceria no navio para cobrar. De fato um transporte desses para nossos parâmetros alemães é bastante em conta. Aqui eu não sei dizer. Na conversão deu 115 libras egípcias, o que me pareceu bastante barato, mas se comparado com as 270 libras que paguei pelo transporte, viagem sobre o Nilo, com direito a show e jantar no sábado à noite, eu tenho de achar caro.



Quando eu já estava na fila do check-in do avião em Cairo o mocinho que havia me levado ao aeroporto apareceu e com cara de xuxu me diz que eu havia esquecido de pagá-lo! Quase engasguei e lhe disse que ele que acertasse com Joe, já que eu havia acertado tudo com ele. Se ele quisesse eu poderia lhe dar 10 libras de gorjeta. Não quis e foi-se embora.

Com o sujeito do transporte do aeroporto eu já acertei a viagem de volta, com o que também esse pedaço já está garantido. Mas ele me disse que no navio eu teria um guia reponsável pelas pessoas que compraram a viagem da mesma agência que eu. Ele iria se apresentar e vir falar comigo e eu não deveria aceitar ajuda e nem falar com ninguém outro. Essa frase já conhecemos, né?!

Resolvi subir no deck e tirar algumas fotos quando sou interpelada em alemão por um sujeito sentado a uma das mesas, que estavam todas vazias. Apresentou-se como sendo Mohammed, meu guia de viagem e que ele estava ali para atender a todos os meus desejos e pedidos e me dar todos os esclarecimentos necessários e ... que eu não falasse com ninguém e não aceitasse ajuda de ninguém que ele era responsável por tudo.

Como uma perfeita ladainha decorada ele começou a me recitar todo o programa que iríamos fazer e qual seria o decorrer da viagem. Eu havia comprado um pacote suplementar com direito a uma visita mais detalhada a Luxor, e em função desse passeio o programa havia solicitado que se chegasse cedo o suficiente para o check-in. No final das contas o tal programa diz Mohammed vai ser feito no próximo domingo, quando então estivermos de volta e com essas e mais aqueloutras eu não teria precisado levantar tão cedo para chegar em Luxor com um avião madrugador.

Deixo de entrar nos detalhes que Mohammed, o profeta, contou sobre o que tudo iria acontecer no passeio, pois eu vou contar à medida em que as coisas forem acontecendo. No programa do pacote havia escrito que era tudo inclusive menos a gorjeta e as bebidas. Não havia entendido muito bem a história das gorjetas, que sempre achei que ou se dá ou não se dá, ao que Mohammed didaticamente me diz que eu tenho de pagar-lhe 25 € de gorjeta para ser dividida entre todo o pessoal do navio, desde o maquinista até o recepcionista. Pagamento adiantado, por favor. Dinheiro egípcio é coisa complicada ...


Mohammed, o guia no deck do navio
A minha surpresa, porém, foi novamente o alemão impecável de Mohammed. A resposta foi a mesma dos anteriores: nunca saiu do Egito e aprendeu esse alemão na Universidade do Cairo. Perguntei se os professores eram alemães nativos – o que eventualmente poderia explicar inclusive a excelente pronúncia – mas ele me disse que não, seus professores eram todos eles egípcios e que com a profissão ele também foi aperfeiçoando a língua. Mas quando ele me perguntou onde eu trabalhava e eu lhe disse que minha empresa era uma 100% afiliada de uma outra empresa – em alemão o termo é exatamente esse “empresa filha de outra empresa” – ele entendeu que era minha filha que trabalhava na empresa. Como esse fato também é correto, deixei a conversa desse tamanho. Não estava a fim de dar aulas de alemão ao profeta, apesar de ele ser bastante simpático.



Contou-me Mohammed que com a revolução no começo do ano passado o turismo despencou e os turistas desapareceram, fazendo com que a vida deles ficasse muito mais difícil do que já era antes. Disse que nesse trecho do rio existem cerca de 300 navios que fazem esse cruzeiro e muitos deles tiveram de encerrar as atividades por falta de clientela. De fato aqui no nosso navio não há tantos passageiros, o que de minha parte eu nem acho tão ruim assim.

Interessante que Ahmed ontem também não era muito satisfeito com a tal revolução, por achar que os Irmãos Muçulmanos não estão resolvendo problema algum, muito ao contrário. Ahmed acha que logo vem mais uma revolução. Joe, por sua vez, era meio dividido com a revolução: por uma lado ela acabou com seu pequeno negócio, pois ele tinha um hostel bem perto do Tahir Square, mas por outro ele achava que o governo Mubarak tinha de terminar. Gosto de ouvir a opinião do povo, apesar de ter de confessar que o assunto não me interessa diretamente e assim voltemos ao navio.

Os passageiros não deixam de ser também um povo meio folclórico, com muitos espanhóis, alguns alemães e ingleses. Há também uma indiana que veste um sari com bastante carne aparecendo, o que deve ser uma boa coisa nesse calor.

Tentei ver se não havia algum jeito de eu ir até a cidade de Luxor, já que aqui não havia o que fazer, ao que Mohammed disse que Luxor era longe e não tinha como ir lá. Que eu aproveitasse o dia para descansar.

À uma da tarde foi o almoço, que não foi lá essas coisas, mas deu para encarar. Praticamente tudo comida árabe com algum tempero que não faz muito meu gênero, mas a gente vai levando. De acordo com Mohammed, os lugares na mesa são demarcados e fixos do começo até o final da viagem e que pela mesma agência onde reservei a passagem viriam mais duas outras pessoas, com o que seríamos três em uma mesa redonda. Sentei-me no meu lugar e os dois lugares ao lado ficaram vagos pois os passageiros ainda não haviam chegado. Mohammed disse mesmo que chegariam mais tarde e por isso o nosso passeio da tarde foi transferido para o próximo domingo.

De repente entram dois homens no salão, um tão grande que quase batia a cabeça no teto e o outro menorzinho. Os garçons todos vieram dar-lhes a mão e boas-vindas cheios de “Nice to see you” e isso tudo debaixo de minhas barbas. Os dois sequer tomaram conhecimento de minha pessoa e tomaram assento nos dois lugares vagos a meu lado. Um casal homossexual de meia-idade, com direito até a aliança de brilhantes! Mais folclórico impossível. Devo dizer que nada, absolutamente nada tenho contra homossexuais e desde sempre sou da opinião que cada um sabe de si e eu sei de mim.

Assim como quero que os outros me deixem em paz, também eu deixo todos em paz. Mas o problema ali era por demais de visível e acintoso: pelo menos cumprimentar a pessoa com quem se vai dividir a mesa a cada três refeições durante uma semana seria altamente recomendável, apesar de essa pessoa ser uma mulher sozinha! Pelo menos minha mãe me ensinou assim e penso que a mãe deles também tenha feito o mesmo.

Ainda fiquei um tempo ali sentada observando as pessoas se servindo no buffet e no final acabei me levantando com um sonoro “Mahlzeit” que é o cumprimento alemão para o início ou o final de refeições, ou quando se cruza com alguém na hora do almoço. Pelo menos os mocinhos responderam, o que mostra que nem tudo está perdido na educação do nem tão simpático casal.

Resolvi então dormir e escrever esse texto, já dizendo que não sei quando vou fazê-lo de novo.

Mohammed ligou agora há pouco dizendo que amanhã temos de sair pontualmente às sete da matina para visitar Luxor. Penso que o casal maravilha também vai junto. Vai ser muito divertido, já estou vendo. Caso eu não dê notícias é por causa do preço da internet: 10 US$ por 30 minutos é um assalto à mão armada. E se ainda por cima a rede for lenta vai ser um descalabro sem fim e eu não vou conseguir colocar as fotos que quero colocar.

São vários navios um ao lado do outro. Atravessa-se de um para o outro até se chegar ao navio desejado






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