sábado, 29 de setembro de 2012

Joe, o motorista ou A aventura - Parte II

Clique aqui para ler a Parte I

Depois de uma noite muito bem dormida no hotel quatro estrelas, acordei cedo e depois do chuveiro matinal fui ao café-da-manhã, que também foi excelente.

Como o motorista disse que viria às nove e nisso eram 7:45, resolvi me aventurar pelas margens do rio, o que de fato foi uma aventura, pois o trânsito é simplesmente absurdo. Não há um sinaleiro de pedestres, que diria uma zebra para atravessar a rua. O negócio é esperar que não venha carro algum, o que é raríssimo.

Ao chegar na ponte sobre o Nilo de onde tirei as fotos ontem à noite, olho para ambos os lados e fico pasma: não vem carro algum de lado algum. Uma lástima que demorei para perceber o que estava ali se passando: com certeza a gravação de algum comercial para os carros Mercedes-Benz. Com isso perdi pegar os carros de frente e só consegui pegá-los por detrás, mas dá para ver que dois deles estão na contra-mão.
A ponte fechada ao trânsito para os quatro Mercedes-Benz poderem passar.
Aproveitei para também atravessar e continuei meu passeio na intenção de mais adiante virar à direita. Acabou tal intento permanecendo apenas um desejo irrealizado pois não consegui criar coragem para atravessar aquela rua, já que o trânsito não deu trégua. Fiquei ali parada por alguns minutos observando a vida da cidade grande logo cedo e, sobretudo, os carros caindo aos pedaços. Dentro das normas alemãs pelo menos 2/3 daqueles carros teriam de sair imediatamente do trânsito por não oferecerem um mínimo de condições de segurança. Mas, estando eu em Cairo e não na Alemanha, resolvi deixar trânsito ser trânsito e voltar para o hotel e esperar pelo motorista.

Ao chegar de volta na ponte, quem disse que eu consegui atravessar! Na primeira pista deu uma trégua, e daí fiquei eu presa no meio da ponte com carros passando atrás de mim e na minha frente, uma buzinação sem fim e eu querendo apenas chegar do outro lado da malvada da ponte. Em alguma hora um motorista simplesmente parou e assim segurou todo o trânsito atrás de si, com o que o motorista a seu lado fez a mesma coisa e assim eu pude atravessar a ponte incólume. 
Nem os leões ajudam o pedestre a atravessar a rua na entrada da ponte sobre o rio Nilo
O motorista foi pontual e lá fomos nós rumo às pirâmides de Gizé. Pelo menos foi isso que eu pensei que havia contratado por 250 libras egípcias.

O simpático motorista disse chamar-se um nome qualquer em árabe que não consegui pronunciar, ao que ele me disse que em inglês ele se chamava Joe e que eu então deveria chamá-lo dessa forma, o que facilitou barbaridades o diálogo, tivesse havido algum diálogo. De fato foi mais ou menos um monólogo da parte dele, contando que iríamos visitar inicialmente uma fábrica de papiros, a única oficializada pelo governo, nas palavras de Joe.

Depois da papiresca experiência da noite anterior fiquei com mil-e-uma pulgas atrás da orelha e nada adiantou eu lhe dizer que não tinha interesse algum em ver a fabricação de papiros: lá fomos nós parar na fábrica de papiros. 

Agora eu nem vou contar o que tudo se vê e por quais vielas, ruelas, barracos e quebradas se tem de passar até chegar na tal única fábrica de papiros oficializada pelo governo. Aquilo é uma cena fantástica para um crime perfeito. Não sei se a periferia de Sampa tem uma cara tão tenebrosa.

De qualquer forma chegamos lá e um simpático rapaz já veio falando alemão comigo, o que me deixou muitíssimo bem impressionada, já que era um alemão excelente que o camarada falava. Perguntei-lhe depois se já havia morado na Alemanha, ao que ele responde que nunca saiu do Egito e que aprendeu alemão na Universidade do Cairo. Eu duvido que um alemão que nunca saiu da Alemanha seja capaz de falar árabe apenas com o que aprendeu na Universidade da forma como aquele rapaz falava alemão aprendido na Universidade do Cairo.

Para encurtar a conversa, sou agora feliz proprietária de cinco folhas A3 em branco de papiro legítimo, com direito a certificado e tudo o mais, e mais um mapa com a equivalência dos hieroglifos e uma chave da vida. Tudo isso por módicas 900 libras egípcias, o que acaba sendo um assalto à mão armada se comparado às 100 libras egípcias que acabei pagando ontem por uma árvore da vida. Pelo menos isso eu descobri hoje, como se chama aquela gravura cheia de passarinhos que recebi de presente e depois tive de pagar por ela.

Mas, deu-se aqui um problema de ordem técnico-financeira. Como desde que fui assaltada (veja em Uma nobre profissão), nas viagens eu saio do hotel com pouco dinheiro e nenhum cartão, eu não tinha dinheiro disponível para pagar os caríssimos papiros. Tudo sem problema, Joe adiantou o dinheiro que ficou faltando!
Joe, o motorista!
Entramos novamente no carro e finalmente fomos em direção às pirâmides de Gizé. Ao lá chegarmos, Joe didaticamente me explicou que ele mesmo não poderia me acompanhar, mas que trabalhava junto com pessoas especializadas em acompanhar turistas e que eu então poderia escolher ir no lombo de um cavalo ou de um camelo, já que são 12 km para se percorrer tudo e isso não dá para fazer a pé e sem guia pois muito longe. Pouco faltou para eu dizer a Joe 12 km eu tiro de letra e para mim isso não é distância. Não o fiz pois o sol estava já bem causticante e eu sem meu chapeuzinho de caminhar no sol, que eu bestamente esqueci de colocar na mala.


À espera do passageiro em para as pirâmides de Guizé
Continua Joe com seu monólogo me explicando que lá na área demarcada - que Joe só chamava de "area" - há muitos exploradores que querem te vender as coisas mais absurdas e que eu não deveria falar com ninguém além do guia que ele iria me arrumar.

Melhor não perguntar que cara que eu estava fazendo e que eu já estava com vontade de me esconder debaixo da saia de mamãe fosse mamãe ainda viva.

Assim apareceu mais um personagem pitoresco na história que nos convidou para entrar num quartinho e tomar assento. É incrível como esses egípcios gostam de te convidar para entrar em algum lugar e tomar assento.

Nisso essa nova personagem explica com base num quadrinho na parede que há não sei quantas pirâmidas e mais a esfinge e mais uns morros e mais diabo a quatro e que tudo isso se dividia em tour pequena, tour média e tour grande e que eu resolveria qual tour eu queria fazer e se eu queria ir a cavalo ou a camelo.

Respondi que não iria nem em um e menos ainda em outro e que se fosse esse o pressuposto básico para conhecer as pirâmides eu iria dispensar a visita e o faraó que se ralasse em sua tumba, pois nem *&%$§ eu iria subir em um cavalo e menos ainda em um camelo.

O simpático perguntou então se eu me disporia a ir de charrete - porque raios que os parta não falou de cara que existia essa possibilidade - ao que eu concordei e disse que iria de charrete, mesmo porque eu não poderia ir no sol causticante e que a charrete tinha a proteção do toldo. Escolhi a tour pequena e isso iria me custar a bagatela de 240 libras egípcias. Dos negócios papirescos ainda haviam me sobrado 200 libras egípcias, ao que Joe me emprestou os quarenta faltantes e me deu mais 100 para qualquer emergência. Em breve eu iria descobrir para qual emergência eu iria precisar dessa grana.

Fechado o negócio lá fomos para fora e fui apresentada a Alex, o charretista.


Joe o motorista e Alex, o charretista
Subi na charrete e lá fomos nós rumo às pirâmides. Antes de sairmos, Joe ainda me fez muitas e muitas recomendações, para não aceitar ajuda de ninguém, para ficar sempre nas proximidades de Alex e que se depois do passeio eu tivesse ficado satisfeita com o serviço de Alex eu deveria lhe dar uma gorgeta. Ali estava a emergência das 100 libras que Joe havia me emprestado. A minha sorte foi que eu peguei a nota de 100 que Joe havia me dado e a troquei por duas de 50 que eu ainda tinha e com as quais eu paguei a charrete. Pois senão estava na cara que a propina teria de ser de 100 libras egípcias, já que eu não tinha mais dinheiro!

A charrete andou por cada quebrada, novamente becos, vielas, favelas, ruas sem calçamento tudo extremamente folclórico. E o trânsito caótico. De repente chegamos a uma ampla avenida. Alex não pestanejou um segundo: subiu a avenida na contra-mão.

Finalmente chegamos na entrada das pirâmides, ao que Alex me diz que tenho de desapear e entrar a pé pelo controle de entrada e ele entraria então pela entrada das charretes e a gente se encontraria do outro lado.


Finalmente pirâmides
Faço curto o passeio: vi as pirâmides, não desci da charrete para ir vê-las de perto pois o sol estava realmente mais do que insalubre e o que mais estava me fascinando no passeio era justamente o clima surreal desse mundo de nativos e turistas. Vão aqui as fotos que eu acho que mais valem a pena:


Essa turista preferiu o camelo!
A esfinge e a pirâmide
Eu, a charrete e as pirâmides
Alex conseguiu um feito que muitos antes dele tentaram e não conseguiram: tirar uma foto minha. Por exemplo Joe, naquela foto lá em cima sobre o Nilo, havia dito que queria tirar uma foto minha naquele mesmo lugar e não teve sucesso em seu intento. Mas, eu penso que a situação nas pirâmides era tão irreal que mereceu uma foto. Alex para tanto até desceu o toldo da charrete o que mais uma vez me mostrou quão acertada foi a escolha do transporte, uma vez que o sol estava mais do que venenoso!

Misteriosamente a volta ao lugar de onde saímos deu-se em menos de dez passos, ou seja, toda aquela maratona na ida foi para enganar turista ou sei lá eu qual o objetivo. Para mim valeu muito a pena pois estou bem mais fascinada pelas pessoas nativas e sua ambientação do que necessariamente pelas pirâmides. Essas eu volto a visitar em alguma outra ocasião, mas dessa vez a pé e sem guia ou charrete.

De volta ao carro fomos ao sítio arqueológico de Sacara. Para quem se interessa pelos detalhes, clique no link que leva a um excelente artigo na Wikipédia. 


Pirâmide em Sacara
Na viagem de Gizé a Sacara Joe conseguiu me convencer que seria excelente um passeio noturno sobre o Nilo com direito a jantar.

Entre um e outro telefonema - não pensem que foram menos, não, continuaram tão numerosos como os de ontem - Joe me explicou que as buzinas são conversas entre os motorista e que todos sabem exatamente o que significa cada buzina.

Ainda bem que não moro aqui e nem preciso dirigir nesse trânsito. Assim também não preciso aprender a língua das buzinas.

Mas Joe também me ensinou como atravessar a rua: simplesmente sair andando e os carros param e deixam você passar! De forma alguma ficar com medo e parar no meio da rua. Penso que nesse caso a buzina serve para te alertar que você ainda não morreu atropelado!

Depois dessas explicações Joe me trouxe de volta para o hotel e, em vez de aproveitar o tempo para ir visitar mais Cairo eu resolvi ficar aqui escrevendo mais essa aventura pois confesso que não quero experimentar atravessar a rua esperando que os carros parem. Daqui a pouco vou no tal passeio noturno e amanhã eu conto como foi.

Clique aqui para ler a Parte III













2 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkk... Eu adoro uma cronica!
    mas essa história, realmente foi ótima!...
    já li boas crônicas de viagem, mas essa é cativante, principalmente a parte do regresso...
    parece qdo vc anda de taxi, numa cidade que não conhece. Pega um taxi, roda, roda... e só depois vai perceber que tava apoucas quadras do destino. Já aconteceu comigo. parabéns pelo relato bem humorado!

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  2. Uau!
    Estou salivando a espera dos próximos capítulos da novela "Renata e os cairotas". Sobretudo que agora sei que você não corre o menor risco de virar panqueca no meio das avenidas e vais dar uma de Moisés atravessando o mar Vermelho (de automoveis).
    Continue aproveitando e nos mandando tuas noticias bem humoradas.
    Marilia

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