sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A realização de um sonho

Há quem diga que sonhos devem ser sempre realizados, não importa quanto tempo leve para sua consecução.

Como acredito nesse dito e já consegui transformar vários sonhos em realidade no decorrer de meus muitos anos de vida muitíssimo bem vivida, havia um que insistia em ser sonhado mas sempre deparava-se com algum empecilho para sua realização: conhecer o Egito.

Desde os tempos do colégio, nas aulas de História sobre faraós, pirâmides e sobretudo as enchentes abençoadas do rio Nilo (acho que deve ser o único rio do mundo que tem enchentes abençoadas, já que todas as demais sempre são tremendamente amaldiçoadas) a vontade de conhecer esse país não me largou.

E, agora, finalmente, chegou a hora de conhecer o Egito, o que já promete muita aventura, uma vez que viajo sempre sozinha e por conta própria o que é muito melhor do que viajar em grupo - para o meu gosto pelo menos - mas também tem suas armadilhas, sobretudo em países culturalmente bem distantes de nossa cultura cristã-ocidental.

Apesar da uma hora de atraso, o vôo foi bom. O avião estava lotado, com o que eu inicialmente havia recebido um assento no meio, o que é tenebroso para um vôo de quatro horas. Mas, depois de choramingar um pouco a mocinha simpática do embarque me arrumou um assento bem melhor na porta de emergência, com o que havia espaço mais do que suficiente para minhas pernas, já que não havia o assento da frente.

Quando se chega no aeroporto de Cairo tem-se de comprar o selo do visto por 15 US$ e entrar na fila do controle de passaportes, quando então o tal selo vai ser colado e carimbado em teu passaporte.

Afora a fila, que é horrível em qualquer lugar do mundo, foi tudo muito descomplicado e a mala também já estava circulando na esteira de tanto tempo que se leva para passar pelo controle de passaportes.

O hotel que eu havia reservado oferecia transferência gratuita, o que eu aceitei mais do que correndo e, de fato, quando saí do saguão das bagagens, lá estava o sujeito com a placa do hotel com meu nome. Disse-lhe apenas para esperar um bocadinho pois eu tinha de passar pela Egtyptair para ver meu vôo para Luxor na segunda-feira, que ainda não havia sido confirmado.

Aí já começou a aventura, pois subindo a escada rolante, um egípcio me acompanha e me pergunta o que eu queria fazer e eu lhe disse que tinha de ir ver o vôo da segunda que ainda não havia sido confirmado, ao que ele gentilmente me acompanhou e no final acabou falando egípcio com o moço da reserva, que disse que estava tudo confirmado e só faltava eu pagar.

Fiquei sem saber o que dizer pois pelo que me disseram na Alemanha a passagem seria debitada em minha conta. O solícito egícpio, carregando - de fato puxando - minha mala, disse que teríamos de ir então ao escritório da Lufthansa mas que deveríamos ir depressa pois iria fechar logo.

De fato, ao lá chegarmos, já estava fechado, mas a mocinha abriu assim mesmo quando mostrei minha identidade. Enquanto isso o motorista do hotel esperando! Para encurtar a história, a simpática mocinha da Lufthansa acabou resolvendo o problema da melhor forma possível, com o que tenho o vôo da segunda garantido.

Nisso o solícito egípcio se despediu e eu agradeci um milhão de vezes. Confesso que sem a sua ajuda eu teria ficado vendida com a situação. Será que a ajuda a estranhos é algo intrínseco à cultura egípcia?

Saímos do aeroporto - o motorista e eu, sendo que o motorista passou então a tomar conta de minha mala. Chegamos a um carro meio velho, mas perto de outros carros naquele estacionamento era até novíssimo. O que tem de carro caindo aos pedaços circulando pelas avenidas de Cairo é brincadeira.

O motorista me pergunta se tenho alguma coisa contra ele fumar e eu lhe respondo que não. Ele acende um cigarro no outro e enquanto fuma e dirige com uma mão com a outra segura o celular e fica tecendo longas conversas para mim ininteligíveis com sabe-se lá quem. Foram por baixo uns dez telefonemas e uns três cigarros em cerca de 50 minutos.

O trânsito do Cairo deixa o trânsito de Sampa parecer comportadíssimo. Apesar de não haver tantas motos como em Sampa, as que existem quase entram dentro do carro de tão grudados que andam. Aliás que isso se vê também nos carros: nem carro novo é sem arranhão ou afundado.

Sobre a cidade paira uma neblina de poluição e entre prédios interessantes há prédios horrendos, demolições, favelas, enfim, tudo o que uma cidade de oito milhões de habitantes tem para oferecer. Cairo é a maior cidade do mundo árabe.

As avenidas são largas, mas o trânsito é igualmente carregado. De repente chega-se ao rio Nilo e assim ao hotel, que escolhi justamente por oferecer vista ao rio. Sou apaixonada por rios.

No email onde o hotel confirmou que iriam me buscar no aeroporto, à minha pergunta se eu poderia receber um apartamento bem no alto, com vista ao rio havia a afirmação de que iriam me dar o melhor apartamento do hotel.

A recepção do tal hotel fica  no segundo andar de um prédio qualquer que fica ao lado do Four Seasons, que vem a ser um dos melhores hotéis de Cairo.

Muito solícitos, já disseram para eu me sentar e lá me sentei, quando na verdade o que eu queria era ir correndo para o quarto e trocar de roupa, sobretudo trocar de sapato! 

Conversa para cá, conversa para lá e vem e vai e vai e vem o rapazinho da recepção me diz que infelizmente não há um quarto para mim no hotel. Aí ele me mostra a minha reserva, que já fiz lá em maio, e confirmou que eu havia reservado um quarto executivo no tal hotel, mas que ele não tinha quarto para mim pois lá havia uma família síria que deveria ter ido embora e não foi embora pois não há avião para a Síria.

Nisso eu já estava me vendo dormindo debaixo da ponte do rio Nilo quando ele me diz que  arrumou um outro hotel para mim: bem mais caro, mas que eu iria pagar o preço combinado. Só que teria de pagar em dinheiro vivo e na hora. 

Nisso ele já havia me vendido duas excursões: uma amanhã para ver as pirâmides e outra no domingo para visitar a cidade do Cairo. Tudo pago à vista e adiantado. Combinou que amanhã às nove da manhã alguém viria me apanhar para irmos então finalmente visitar pirâmides.

Depois de muita embromação, sendo que em alguma hora o rapazinho disse que de repente tinha um quarto para mim, o motorista apareceu e disse para irmos embora para o outro hotel pois aquela do quarto disponível era alarme falso.

Volta o filme do cigarro e conversa no celular. Eu me pergunto o que tanto existe para ser conversado no telefone. Acho um espanto, sobretudo com quanta gente se telefona em questão de minutos. Eu acho que em seis meses eu não conduzo tantas conversas telefônicas como esse motorista nessas duas viagens.

De repente ele pára e diz que chegamos. Já na porta do hotel há uma guarita e um controle pior do que no aeroporto. O camarada abriu minhas bolsas e ficou futrecando na mala, um horror!

Mas o hotel tinha mesmo cara de melhor do que o outro. Mais tarde eu descobri porque tem esse controle na porta: os fundos do hotel dão para a embaixada americana!

Para encurtar a história, estou agora hospedada em um hotel quatro estrelas, que faz jus às cujas ditas estrelas. 


Vista do rio Nilo do terraço do hotel - 10. andar
Depois de me despedir do motorista - que jurou de pés juntos que amanhã pontualmente às nove da manhã estará defronte ao hotel para me levar às pirâmides - o concierge levou-me a meu quarto onde finalmente pude então trocar de roupa e de sapatos.

Nisso já estava escuro e eu resolvi assim mesmo ir ver o rio. Atravessar a rua é uma aventura com risco de vida, pois não tem semáforo ou zebra e o trânsito é intenso. Corri para atravessar e nisso vem um jovenzinho me dizer que é problemático atravessar a rua assim e foi me envolvendo com aquela conversinha de quem quer alguma coisa de mim e eu nada quero com ele.

Consegui me livrar da criatura com a promessa de que na volta eu passaria no seu ateliê para ele me mostrar a arte dele e de sua irmã. Nisso fui até a ponte sobre o rio e fiquei fascinada com o movimento, com as pessoas totalmente estranhas e diferentes, algo que eu classificaria de folclórico, não fosse provavelmente eu mesma a folclórica na concepção deles.


Vista da fachada do hotel da ponte sobre o rio Nilo
Não me aventurando a ir mais adiante, mesmo porque sem mapa e sem conhecimento de causa, de noite, num lugar onde nem o espirro se entende, é melhor não facilitar as coisas. Essa é a parte ruim de se viajar sozinha: não me atrevo muito a sair de noite.

Nisso o rapazinho já está à minha espera. Havia me contado ser estudante de história e estar fazendo um curso para ser guia turístico no Museu do Cairo.

Quando ele me viu mais do que depressa arrastou-me para o tal ateliê que nada mais e nada menos era do que uma lojinha de vender bugingangas para turistas. Já foi me enfiando um papiro com uns passarinhos na mão dizendo que era um presente para mim, ao que eu lhe disse que não poderia aceitar um presente assim. Aí ele me disse que isso seria uma ofensa pessoal contra ele e sobretudo traria muito azar à irmã que iria se casar no dia seguinte, casamento para o qual eu estava convidada e deveria comparecer a todo e qualquer custo.

Nisso apareceu a irmã - claro que com um pano na cabeça - e mais um outro irmão, um personagem novo na história, pois até então o rapazinho nada havia falado de irmão. Havia dito de pai que vai muito a negócios para a Alemanha, mas nada havia dito de mais um irmão. Esse deve provavelmente ter sido oriundo de alguma geração espontânea.

Fiquei a me perguntar o que raio que os parta que a casadoira irmã estava fazendo na lojinha a essas alturas do campeonato se iria se casar no dia seguinte. Mas não ousei verbalizar esse questionamento pois iria encompridar muito a história.

Não tivesse eu ido há três anos a Jerusalém onde não encontrei nem Deus nem Jesus, mas a milagrosa multiplicação dos vendilhões do templo, sendo que um deles conseguiu me vender uma correntinha com um lapislazuli lindíssimo também à custa de uma história parecida com as histórias dos irmãos egípcios, eu provavelmente teria caído mais no conto do papiro. Mas como gosto de aprender de meus erros - e não considero a compra da correntinha com o lapislazuli um erro, pois ela é muito bonita e sempre muito elogiada - dei lá um dinheiro de presente para a casadoira mocinha, presente esse que o irmão queria multiplicar por infinito ao cubo - e tratei de sair de lá correndo, vindo me refugiar no meu hotel quatro estrelas.

Assim, quem chegou até aqui na leitura desse texto, deve agradecer ao rapazinho egípcio que me vendeu por cerca de 12 € um papiro de passarinhos com pontos prateados, kitsch a mais não poder. Pois não fosse ele, eu não teria voltado correndo para o hotel e resolvido contar essa aventura.

De qualquer forma eu fico feliz que os marqueteiros não tenham descoberto ainda as técnicas de venda desses orientais: são de uma eficácia altamente invejável.

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3 comentários:

  1. Oba, meu pergaminho original tá garantido!!! Você é louca de pedra de ir na conversa dessa gente, não tem amor à vida????? Credo, bem que Bibi tinha medo dessa sua viagem....

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  2. Eu já teria morrido e virado múmia só na primeira viagem do táxi. Minha amiga: tú és muito corajosa! parabéns pelo sonho concretisado. Cheguei agorinha mesmo a Porto Alegre e já me estou contando as horas para ler o próximo capítulo desta novelinha egípcia. Seguirei teus passos levando esta cartilha na mala. Um abração gaúcho dos bons!

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